domingo, 9 de outubro de 2011

Abstinência

"Nós nos amávamos. O problema nunca foi esse. Só não conseguíamos descobrir como parar de tornar o outro desesperadamente, alucinadamente, desgraçadamente infeliz.

Muitas vezes, eu ainda era tomada por um desejo de sacrificar tudo pelo amor dele. Em outras, o que eu sentia era o instinto contrário – de colocar tantos continentes e oceanos quanto possível entre mim e aquele cara, na esperança de encontrar paz e felicidade.

O fato é que eu havia me viciado nele, agora que sua atenção estava desaparecendo, sofria as consequências facilmente previsíveis. O vício é a marca de toda história de amor baseada na obsessão. Tudo começa quando o objeto de sua adoração lhe dá uma dose generosa alucinante de algo que você nunca ousou admitir que queria – um explosivo coquetel emocional, talvez, feito de amor estrondoso e louca excitação. Logo você começa a precisar dessa atenção intensa com a obsessão faminta de qualquer viciado. Quando a droga é retirada, você imediatamente adoece, louco e em crise de abstinência (sem falar no ressentimento para com o traficante que incentivou você a adquirir seu vício, mas que agora se recusa a descolar o bagulho bom – apesar de você saber que ele tem algum escondido em algum lugar, caramba, porque ele antes lhe dava de graça). O estágio seguinte é você esquelética e tremendo em um canto, sabendo apenas que venderia sua alma ou roubaria seus vizinhos só para ter aquela coisa mais uma vez que fosse. Enquanto isso, o objeto da sua adoração agora sente repulsa por você. Ele olha para você como se fosse alguém que ele nunca viu antes, muito menos alguém que um dia amou com grande paixão. A ironia é que você não pode culpa-lo. Quero dizer, olhe bem pra você. Você está um caco, irreconhecível até mesmo aos seus próprios olhos.Então é isso. Você agora chegou ao ponto final da obsessão amorosa – a completa e implacável desvalorização de si mesma.

Passei a ter medo da noite como se ela fosse a masmorra de um carrasco. Eu ficava ali deitada ao lado de seu corpo adormecido, lindo e inacessível, e entrava em um espiral de pânico feita de solidão e ideias suicidas meticulosamente detalhadas. Todas as partes do meu corpo doíam. Eu tinha a sensação de ser uma espécie de máquina primitiva impulsionada à mola e submetida a uma tensão muito maior do que havia sido construída para suportar, prestes a estourar, pondo em grande risco qualquer um que estivesse por perto. Imaginava as partes do meu corpo voando do meu tórax para escapar do núcleo vulcânico de infelicidade em que eu havia me transformado. Na maioria das manhãs, ele acordava e me encontrava mergulhada em um sono agitado, deitada no chão ao lado da cama, enrolada em uma pilha de toalhas de banho, como um cachorro.

- O que foi desta vez? – perguntava ele, mais um homem completamente exaurido de mim.

É difícil lembrar agora quantas vezes terminamos e tornamos a reatar durante aqueles meses. Mas surgiu um padrão: eu me separava dele, recuperava minha força e minha confiança, e então (atraído, como sempre, por minha força e confiança) sua paixão por mim renascia. Estávamos muito comprometidos em resolver aquela história. Porque como era possível duas pessoas que se amavam tanto não terminarem felizes para sempre? Aquilo tinha de dar certo. Não tinha? Novamente juntos, e com as esperanças renovadas, compartilhávamos alguns dias de felicidade delirante. Algumas vezes, até semanas. Mas, depois de algum tempo, ele tornava a se afastar de mim, e eu me agarrava a ele (ou eu me agarrava a ele e ele se afastava de mim – nunca conseguíamos entender como o processo começava), e acaba mais uma vez destruída. E ele acabava indo embora.

Ele era ao mesmo tempo meu imã e minha criptonita.

- As pessoas acham que a alma gêmea é o encaixe perfeito, e é isso que todo mundo quer. Mas a verdadeira alma gêmea é um espelho, a pessoa que mostra tudo que está prendendo você, a pessoa que chama a sua atenção para você mesmo para que você possa mudar a sua vida. Uma verdadeira alma gêmea é provavelmente a pessoa mais importante que você vai conhecer, porque elas derrubam as suas paredes e te acordam com um tapa. Mas só entram na vida para revelar a você uma outra camada de você mesmo, e depois vão embora. A missão dele era acordar você, destroçar um pouquinho o seu ego, mostrar para você os seus obstáculos e vícios, despedaçar o seu coração para uma nova luz poder entrar, deixar você tão desesperada e fora de controle que você fosse obrigada a transformar a sua vida. Essa era a função dele, e ele foi ótimo, mas agora acabou. O problema é que você não consegue aceitar isso, que esse relacionamento tinha um prazo de validade bem curto. Você parece um cachorro cheirando lixo, baby… fica lambendo uma lata vazia, tentando tirar mais comida de lá de dentro. E, se você não tomar cuidado, essa lata vai ficar presa no seu focinho para sempre e tornar sua vida infeliz. Então largue isso.

- Mas eu amo ele.

- Então ame ele.

- Mas eu sinto saudade dele.

- Então sinta saudade. Mande um pouco de amor e de luz sempre que pensar nele, depois esqueça. Você só está com medo de largar os últimos pedaços dele porque aí vai estar sozinha de verdade e você morre de medo do que vai acontecer se ficar realmente sozinha. Mas você precisa entender que se liberar todo esse espaço na sua mente que está usando agora na sua obsessão por esse cara, vai descobrir um vazio ali, um espaço aberto… uma entrada. Então para de usar ele para fechar essa porta.

- E se a gente simplesmente reconhecesse que nosso relacionamento é ruim, e mesmo assim ficasse junto? Se admitisse que a gente enlouquece um ao outro, que está sempre brigando e quase nunca transa, mas não consegue viver um sem o outro, por isso aguenta tudo? Daí a gente poderia passar a vida inteira junto… infelizes, mas felizes por não estarmos separados.

O fato de eu ter passado os últimos dez meses considerando seriamente essa proposta é um testemunho de como eu amo desesperadamente esse cara.

A outra alternativa que ainda não havíamos descartado, é claro, é que um de nós pudesse mudar. [Eu] poderia me tornar mais aberta e mais afetuosa, sem me afastar de qualquer pessoa que me amasse por medo de que ela fosse me devorar a alma. Ou [ele] poderia aprender a… parar de devorar minha alma.

Tem sido muito difícil imaginar a minha vida sem ele (…). Mas como posso aceitar a felicidade de tê-lo, quando ela vem acompanhada de um lado tão sombrio – um isolamento acachapante, uma insegurança corrosiva, um ressentimento insidioso e, é claro, a completa desintegração do meu ser que inevitavelmente acontece quando ele para de dar e começa a levar embora. Não consigo mais fazer isso. Alguma coisa em minha recente felicidade me fez entender que não apenas eu posso encontrar a felicidade sem ele, mas que eu preciso fazer isso. Por mais que eu o ame (e eu o amo de verdade, de forma estupidamente corrosiva excessiva), preciso dizer adeus a essa pessoa agora. E preciso me manter fiel a essa decisão.

É melhor assim, eu sei que é. Estou escolhendo a felicidade em lugar do sofrimento, eu sei que estou. Estou criando espaço para o futuro desconhecido encher minha vida com surpresas que ainda estão por vir. Eu sei tudo isso. Mas mesmo assim… eu agora o perdi e tenho a sensação de que alguém acaba de golpear meu peito com um bastão."

Mais impossivel do que ir embora, era ficar.

(Elizabeth Gilbert em "Comer, Rezar e Amar")

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Relembrando

Vento no rosto. Fechando os olhos e bagunçando o cabelo. Música alta. Música no ouvido.Viajar de carro. Piscina. Sol. Curtir preguiça de manhã na cama. Acordar e descobrir que ainda dá pra dormir mais meia horinha. Saciar aquela vontade louca de comer algo diferente do nada. Macarrão "alho e óleo" com caldo de feijão. Batata frita semi-crua cortada em rodelinhas. Frango frito. Ovo frito com gema mole. Vitamina de abacate. Caldo de cana com pastel de feira. Suco de caju. Suco de laranja com gelo e açúcar. Cupcakes bem decorados. Brigadeiro para se comer na panela. FIlme brasilero no cinema. Filme água com áçucar pra ver em casa. Cantar no videokê. Fazer scrapbook. Conhecer pessoas novas. Conhecer pessoas reais no mundo virtual. Fazer amigos. Teatro. Cinema sozinha e acompanhada. Livraria. Passar horas em uma sem se preocupar com o tempo. Um livro novinho.Dormir de conchinha. Dormir sozinha esparramada na cama. Carinho dos meus pais. Brincar com meus sobrinhos. O sorriso do meu filho. Sua gargalhada. Pegar na sua coxa enquanto eu o amamento. Dormir de conchinha com ele.Ouvir "mamãiii". Meu filho.Tirar fotos. Ver as fotos tiradas. Ver fotos antigas e morrer de rir. Receber elogio. Cheiro de revista nova. Revistas de celebridades.Revista de decoração. Milhões delas. Comprar objetos de decoração. Comprar roupas. Brincos.Vestidões. Vestidinhos floridos. Textos escritos pra mim. Declarações inesperadas. E-mails de amor. Uma boa discussão onde posso colocar meu ponto de vista. Ganhar ela. Planejar viagem. Viajar. Lembrar das histórias engraçadas das viagens. Pôr do sol. Céu de Brasília. Povo carioca. Praia calma da Bahia. Visual lindo de Maceió. Frio de Londrina. Vontade de rodar o mundo. Brasil. Aprender coisas novas. Pisar na areia. Banho de mangueira. Abraço apertado e demorado. ALguns beijos. Na boca. No pescoço. Segredinho safado no ouvido. Sexo oral passivo e sem pressa. Sexo com amor. Sexo. Eu por cima. Leoni, Zeca Baleiro, Lenine,Nando Reis. Dançar forró.Cachoeira.Amigas reunidas. Twittar besteira. Aprender a cozinhar. Ouvir "eu te amo" da minha vó. Ouvir eu te amo. Frio na barriga de começo de paquera. Ser mimada, adorada, idolatrada. Rir da dor depois que ela passa.
Passa. Vai passar.
Por enquanto vou relendo isso aqui em cima, pra relembrar que a vida não é de toda ruim.